
A trajetória de uma campeã
Quando eu lembro da primeira vez que ouvi o nome Maria Zeferina Baldaia nos corredores de São Paulo, ainda sente o eco das arquibancadas da São Silvestre de 2001. Nascida em 29 de agosto de 1972, num canto recôndito do interior brasileiro, Zefa – como alguns a chamam carinhosamente – tinha pouco mais que um par de tênis e um sonho enorme.
O caminho até a linha de chegada dos 15 km da prova mais tradicional do país não foi fácil. Foram quinze anos de treinos ao sol, na chuva e até nas madrugadas de inverno. Enquanto isso, muita gente apontava o dedo e dizia que ela nunca ia chegar lá. “Você é da roça, não tem condição de enfrentar os quenianos”, ouviu de vizinhos, de colegas de trabalho, de quem nem sabia o que era corrida de elite.
Mas a determinação de Zefa tinha outra bússola: a crença de que o esforço constante supera o talento momentâneo. Nas primeiras competições regionais, já se destacava pela resistência. Seu corpo parecia um motor que só aquecia após os primeiros quilômetros, e isso chamou a atenção de um treinador conhecido como "Claudin". Ele percebeu que a atleta não era veloz nos sprinters, mas tinha um “coração de maratonista”, capaz de manter um ritmo firme e, nos momentos críticos, acelerar com força.
Com Claudin, a estratégia ficou clara: segurar o pelotão até os últimos 3 km e então fazer um “corte” decisivo. Era um plano de risco, mas que aproveitava exatamente o que a corredora fazia de melhor – a resistência. E assim, no dia 31 de dezembro de 2001, sob o frio típico de São Paulo, Zefa colocou a tática em prática.
O campo estava repleto de atletas internacionais, entre eles corredores quenianos que dominavam as provas de longa distância. Enquanto a maioria se lançava na frente desde o início, Zefa manteve o ritmo estável, observando o movimento. Quando o relógio indicou 12 km, já se sentia preparada. Nos 3 km finais, rompeu a linha de resistência e, com um último esforço, cruzou a linha de chegada em 52 minutos e 9 segundos, batendo os favoritos e garantindo seu lugar na história da corrida.

Além da vitória
A conquista da São Silvestre foi apenas o ponto alto de um percurso repleto de marcas impressionantes. Menos de dois meses depois, em 7 de outubro de 2001, Zefa cravou o melhor tempo da sua vida no meio‑maratona: 1 hora, 12 minutos e 45 segundos. Em julho de 2002, completou a maratona em 2 horas, 36 minutos e 7 segundos, tempo que ainda hoje serve de referência para atletas amadoras do interior.
Outro destaque foi o recorde de 15 km em estrada, registrado em 9 de dezembro de 2001, com 51 minutos e 10 segundos – quase um minuto mais rápido que o seu tempo na São Silvestre, prova de como cada corrida serviu como laboratório para melhorar a performance. Em pista, no verão de 2004, completou os 10 000 m em 33 minutos e 35,99 segundos, mostrando que a velocidade também fazia parte do seu repertório.
Essas conquistas renderam à atleta o título de campeã nacional e a tornaram figura conhecida não só nos círculos de corrida, mas também na cultura pop. O famoso futebolista Marta, ao notar a semelhança física com Zefa, adotou o apelido "Zefa" para a própria irmã, um gesto que acabou por eternizar a corredora em outro esporte.
Hoje, apesar de ter deixado o pico da carreira competitiva, Maria Zeferina continua presente nas pistas de treino das cidades do interior, inspirando jovens a calçar um tênis e correr. Ela costuma dizer que o segredo não está só na disposição física, mas em acreditar que cada passo, por menor que seja, tem o potencial de mudar toda uma trajetória.
Se tem uma lição que ficou gravada nos corredores de São Paulo, é que a prova não se vence apenas com velocidade, mas sobretudo com constância, coragem e a certeza de que o próximo quilômetro pode ser o decisivo. A história de Zefa, que chegou da roça para o topo da maior corrida de rua do Brasil, segue como exemplo vivo de que o impossível pode ser subvertido quando a vontade insiste em seguir adiante.
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